Mal de Amor

ciganaSegunda semana do ano. Uma cigana tocou no meu braço insistentemente, na Av. Nossa Sra., enquanto eu tentava chegar à porta do banco. Apertei o passo, fechei a cara e olhei pra ela de soslaio tentando expressar minha pressa e meu humor abalado por conta de uma gripe que se instalara sem cerimônia. Eu tinha um pequeno incêndio financeiro pra apagar no próximo quarteirão e o que eu menos precisava naquele momento eram de previsões descabidas. Nem das climáticas.

Mais dois passos e a cigana parecia ter se multiplicado – agora meia dúzia delas invadia a calçada com vestidos estampados e lenços coloridos, fazendo uma abordagem escancarada. “Ô bonitona, deixa eu te falar do teu mal de amor”. Lembrei de uma tia que à menor variação de humor das mulheres da casa dizia na lata: “que coisa de mulher mal amada”. Eu era criança quando a ouvi falando isso da primeira vez e somente muitos anos depois é que entendi o que ela queria dizer. Comecei a rir no meio da calçada… que cara de mal amada eu devia estar apresentando, ainda que fosse apenas aparente, pensei. E foi só rir pra que uma delas, toda de azul, pegasse no meu braço: “você debocha e foge do sofrimento do amor, mas ele pode chegar”. Ergui uma sobrancelha pernóstica e irônica enquanto ela continuava: “me dá um trocado que eu te conto…” Não ouvi o resto da frase. Apressei mais o passo, muda e decidida a fugir prá bem longe dela. Delas todas.

Na volta do banco tomei o cuidado de ir pela calçada do outro lado da rua mas nestes dias quentes e úmidos, parece que quando mais se reza… estavam todas lá, no mesmo lado que eu. Passei quase pelo meio da rua prá não me aproximar demais e a cigana de azul me sorriu. Não consegui decifrar aquele sorriso porque, você sabe, os sorrisos na verdade se decifram pelos olhos. Mas parecia, assim, a cem metros, um misto de zombaria e simpatia – e eu poderia jurar, se não estivesse tão longe, que era também de cumplicidade. Ou talvez eu queria que fosse. Por via das dúvidas, sorri de volta, desarmada. Por algum motivo, que não entendi muito bem, isso me deixou de alma leve.

Alguns quarteirões mais adiante me vi em frente à lotérica da rua Santa Clara… Mal de amor? Jura? Entrei na lotérica sem pensar duas vezes e apostei uns trocados que poderiam ter ido parar na mão da cigana. É, o deboche sempre foi minha melhor defesa e o meu maior sintoma de negação. Mal de amor… bem, se for inevitável, relaxa e chora. Mas mal de humor também não. Só me faltava essa.

Segui pensando com meus botões sobre uma frase que li por aí de alguém que afirma que problema bom é aquele que se resolve com dinheiro. Os que o dinheiro não resolve geralmente são os que doem. Bem, se for prá enfrentar dor e de de mal de amor, ainda por cima, que seja em Saigon, Blangadesch, Austrália… viagens longas que uma Mega Sena é bem capaz de proporcionar. E nem precisa ser acumulada.

E então, percebi que eu finalmente estava de volta ao velho cotidiano. O dia estava chegando ao seu entardecer, a segunda semana do ano já estava em seu final e, definitivamente,  já começava a colocar suas manguinhas de fora.

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