Horário de Verão

horario-de-verao-relogio-de-solQuando dei por mim, comecei a contar os dias numa espera ansiosa pelo horário de verão. Justo eu, que sempre gostei das noitadas longas e vadias, quando se pode ouvir todas as músicas, reler todas as cartas ou escrever no rodapé de livros impublicáveis.

Também não me entendi direito e, ao invés de tentar decifrar de onde vinha esta ansiedade inexplicável, fiquei namorando o calendário pregado no mural, controlando uma vontade irresistível de fazer um xis em cada final de dia.

Paredes brancas denunciando a falta de quadros tornaram-se uma provocação. Bastaria um pedaço de giz, uma caneta para rabiscar quadradinhos presidiários no gelado do concreto. Eu estava obcecada, completamente tomada pela sensação de que não o verão, claro e simples, mas seu horário prolongado seria capaz de manufaturar as horas fabricando um tempo novo e indivisível.

Nem da primavera e de seu manto florido eu era capaz de sentir a falta. Nem do inverno que me aquecia misteriosamente com seu vento gelado… Eu queria, obstinadamente, a chegada de tardes sem fim e pores de sol invadindo o espaço da noite. Todas as rádios pareciam estar sintonizadas em músicas que cantavam verão, e chamavam por ele tanto quanto eu o aguardava. Comecei a ser perseguida por calendários e relógios de todos os tipos. Para onde quer que eu olhasse, lá estavam eles, convidativos e silenciosos a contar o tempo que ainda faltava para a chegada de dias mais longos.

Num dia comum desta primavera com cara de outono, esbarrei sem querer com um destes relógios (sempre eles) de sol. E a sombra que se fez a partir do momento que lhe grudei os olhos era de uma mulher alta e esguia, cheia de curvas que me pareciam estar nos lugares errados do corpo, como se fosse uma imitação jocosa de alguém. Um pêndulo torto, pensei. Quase em transe percebi que a sombra era minha, ou da imitação jocosa do tempo que sobrevivia em mim. E quando tentei enxergar os ponteiros do relógio de sol entendi finalmente, não sem susto, não sem uma pontada de dor, o que eu estava procurando…

Eu queria o tempo recriado. Já que um novo horário era capaz de prolongá-lo — mesmo que ilusoriamente, mesmo que comesse um pedaço da noite a fim de estender o dia, então era esse horário novo que eu queria. Era uma tentativa de retardar a vida, de sugar e esparramar calor. Eu me queria neste novo horário, neste verão demarcado — como se fosse possível criar uma nova dimensão que se alongasse sem pressa e sem precedentes. E, com essa nova em mim, eu seria capaz de jogar fora a bagagem, a quilometragem e o medo, para não esperar mais pelo verão, mas quem sabe, ser ele mesmo: espaçoso, aberto e luminoso.

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1 Comentário em Horário de Verão

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